Eles estavam ouvindo You Will Never Walk Alone no apartamento bagunçado de Pedro. Cristina não conhecia a canção. Pedro lhe contara que era uma espécie de hino do Liverpool. Pedro era fanático pelo Liverpool, embora jamais tivesse visto um único jogo do time ao vivo. Foi ao ouvir na teve a torcida cantar You Will Never Walk Alone que Pedro se converteu num torcedor distante um oceano do Liverpool, mas apaixonado. Nunca Pedro vira nada parecido com aquilo no futebol, um canto de amor e fidelidade sublime em seu estrondo vermelho, a cor do Liverpool. Foi instantaneamente capturado pela magia barulhenta da torcida que cantava. Não bastasse isso, Liverpool era a terra daqueles quatro garotos: John, Paul, George e Ringo.
“Não posso morrer sem ir a Liverpool e cantar You Will Never Walk Alone”, disse Pedro.
“Tanto coisa pra fazer na vida e você vem me falar isso?”, disse Cristina. “Homem louco por futebol tem alguma coisa de gay. Não faz sentido ficar olhando tanto homem correr atrás de uma bola a não ser que o cara que olhe seja gay.”
Pedro riu. Sua boca ficava ligeiramente torta quando ele ria. Num momento de amor, Cristina dissera que era lindo aquele sorriso torto. Num momento de ódio, dissera que era horrível. Era instável como todas as mulheres, amor e ódio pelas mesmas coisas em momentos alternados.
“Gosto de suas frases definitivas”, disse Pedro. “Não são meras palavras ao vento. São manifestos.”
“Pedro.”
“Humm.”
“Isso não existe. You Will Never Walk Alone. Você nunca vai ficar sozinho. Ninguém diz isso de verdade pra pessoa que ama. O amor surge, floresce e termina. Prometer a alguém que ele jamais vai ser deixado é embuste.”
“Engraçado”, disse Pedro. “Quando te conheci passei a acreditar no amor eterno. Uma coisa que só floresce, floresce e ainda floresce. Era ateu no amor e passei a ser crente com você.”
“Pedro.”
“Humm.”
“Eu… Eu…”
Cristina parecia engasgada com aquilo que queria dizer. Começou a chorar. Em sete meses de namoro Pedro jamais a vira chorar. Cristina parecia ter uma resistência extraordinária às lágrimas. Pedro não sabia se a abraçava e tentava confortá-la ou se a deixava em paz com suas lágrimas. Homem nenhum sabe o que fazer diante da mulher que chora. Na dúvida, Pedro permaneceu parado.
“Eu… me apaixonei por outro homem”, Cristina enfim disse. “Me perdoa, me perdoa.”
Só nesse momento Pedro abraçou Cristina. Como se quem tivesse que receber consolo fosse ela e não ele.
“Aconteceu, simplesmente aconteceu. O professor de ioga.”
Cristina dissera a Pedro, algumas semanas antes que ia começar a fazer ioga. Comentara depois com entusiasmo suas aulas. Estava apaixonada não exatamente pela ioga, mas pelo professor.
“Cristina”, disse Pedro. Ele parecia calmo como quem acaba de tomar Frontal. “Te perdoar do que? Eu só posso dizer obrigado. Você me deu momentos cuja lembrança vai me aquecer nas noites frias e escuras. Sempre.”
Ela pegou sua bolsa e correu em direção à porta. Ia embora para não voltar. Pedro ficou pensativo por alguns segundos. Depois pegou seu iPod e pôs para tocar uma, duas, três, dezenas de vezes You Will Never Walk Alone.
.
Texto publicado originalmente no O Homem Sincero
Nenhum comentário:
Postar um comentário